sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sobre Maria

Maria não tinha muita personalidade. Foi reprimida por seus traumas de criança e sentia seriamente que ninguém a amava. Sempre se expressou através da pena que, às vezes, utilizava para ganhar uma atenção. Nunca foi muito inteligente também. Como não era uma menina muito bonita, esgotou suas energias durante anos tentando ser de grupos de meninas populares e acreditou com todo coração que beleza era o mais essencial. Fez chapinha no cabelo, frequentou fielmente a academia e pagou uma plástica facial (mesmo não tendo certeza de dinheiro nem para o próximo aluguel do cubículo onde morava). Mais ainda não estava satisfeita, precisava ser mais. Mais daquilo que acreditava ser um objetivo de vida e menos daquilo que realmente importava. Mas, para Maria, tanto fazia. Como escrevi no início a história: Maria não tinha muita personalidade.

 Ao longo do tempo, Maria conheceu outras pessoas. Entrou na Universidade e descobriu que as regras sociais não eram como as do ensino médio. Na faculdade, talvez por culpa da "academia", as pessoas queriam algo um pouco além das roupas descoladas. Ali, aparentemente, o que você pensava contava para alguma coisa - e que Maria não sabia dizer para quê, mas sabia que contava. Assim, Maria resolveu que seguir o gado seria o mais fácil a fazer. Se tivesse que abandonar suas roupas cor de rosa ou sua mochila de florzinha para estar entre o grupo popular, ela o faria. Foi quando Maria começou a ler e descobrir novas bandas: se o menino era interessante e gostava de Rolling Stones, Maria se tornava fã de Mick Jagger. Se o menino bonito gostava de ler Dostoiévski, pode crer que Crime e Castigo entraria no dia seguinte na lista de leitura de Maria - que acreditava estar criando personalidade. Começou a falar de Bandeira e do Bauhaus, Van Gogh, dos Mutantes, de Caetano e Rimbaud. Se tornou uma pessoa mais interessante, mesmo que em seu quarto permanecessem os velhos livros de menininhas e seus probleminhas.

 Aprendeu muita coisa, mesmo que nada daquilo realmente lhe importasse. Acreditava que as pessoas estavam finalmente gostando de quem ela era e de seus gostos. Até que um dia chuvoso lhe forçou a esperar pela lotação sob a marquise de uma loja. Nada de especial na loja, no entanto, com tanta chuva e pouco transporte, Maria entrou para experimentar algumas peças. Foi quando, na forma de um trem bala mirando seu cérebro, uma epifania lhe ocorreu. Não era uma pessoa constituída, era um espectro que circulava pelo mundo grudando em corpos vivos. Olhou no espelho e levou um susto: Maria já não tinha mais reflexo.

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