sábado, 22 de junho de 2013

Sobre canto



Uma certa vez, a vó teve uma conversa séria comigo. Provavelmente tinha decido que eu era confiável o bastante para guardar os segredos de infância dele e da família. Parte de tudo eu já sabia. Veio de família rica, com avô conhecido e homenageado pelo clube, uma avó doutora em Sorbonne e referência no feminismo brasileiro, uma pai amigo do prefeito e uma madrasta inteligente e com uma grande herança. E no meio disso tudo, ele. Ele que demorou pra descobrir quem era e o que queria. Que cresceu ente a cruz e a espada, entre a mãe descolada e o pai rico, entre os ideais da família e os ideias que construiu com a vida universitária.

Mas aparentemente tinha muito mais. Coisa que ele chorava quando tentava me contar. Segredos íntimos que talvez ele mesmo tenha apagado da memória. Realidades criada pela criança de dois ano que não sabia o que estava acontecendo, nem se quer entendia a dimensão de um divórcio. "Ele dizia que era um menino mal, Bia. Achava que tudo o que estava acontecendo era na verdade culpa dele. Tadinho". Foi assim que a vó me contou como tudo aconteceu. "No meio de toda a mudança, o pai demorou uma semana para buscá-lo em casa. Ele jurava que o pai não o queria mais. Mas chegou sábado, e ele veio buscá-lo para passear no zoológico. Precisava ver como ele cantava. Cantava alto, cantava forte, cantava tudo aquilo que ele estava sentido de felicidade. Ele sempre cantava quando estava feliz. A gente colocava ele no carrinho e ele ia cantando pela rua, como se aquele mundo fosse só dele".

Depois disso, nunca mais acordei de mal humor com as cantorias diárias no chuveiro que me despertam mais cedo. Agora, o nariz torto matinal não existe mais, pois sei o significado dessa cantoria. E isso é um bom motivo para estar feliz também: meu amor.

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