quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sobre homofobia



Direito homoafetivo ainda tem longo caminho pela frente

Sandro Gorski, da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-PR, conversou com o Comunicação sobre criminalização da homofobia, união homoafetiva e temáticas relacionadas

Em setembro de 2011, acompanhando diretrizes nacionais, OAB-PR criou a Comissão da Diversidade Sexual, que trabalha pela aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual (EDS), anteprojeto de lei encaminhado ao Senado Federal que visa regulamentar vários direitos e situações jurídicas com relação à igualdade de gênero. A Comissão também recebe denúncias de discriminação por orientação sexual e divulga conquistas relacionadas à questão.

Além da nova Comissão, este ano foi marcado por novas e significativas conquistas por parte da população homossexual brasileira. Em maio,o Superior Tribunal Federal reconheceu a união estável de casais de mesmo gênero e concedeu direitos como herança por morte do parceiro, acesso a plano de saúde e pensão alimentícia. Medidas como essas não só reduzem o preconceito mas também facilitam e asseguram a formação de família por parte de antigas e novas uniões homoafetivas. No Paraná, o único projeto de lei que estabelece penalidades por discriminação contra os cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros ainda está em trâmite na Assembléia Legislativa. De autoria do deputado Tadeu Veneri (PT), ele prevê penalidades como advertência, multa ou suspensão licença estadual de funcionamento, no caso de estabelecimentos privados.

Advogado e Vice-Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-PR, Sandro Gorski representou a entidade na entrega do anteprojeto do Estatuto em Brasília. Especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo e advogado de transexuais, Gorski esclarece algumas questões sobre a orientação sexual e o direito no Brasil

Jornal Comunicação: Como é realizado o trabalho da OAB em relação aos direitos das minorias?

Sandro Gorski: OAB/PR tem acompanhando ativamente as questões referentes ao direito das minorias por meio de comissões específicas que cuidam do tema. Por exemplo, temos a Comissão da Mulher Advogada, a de Defesa dos Direitos Humanos, a dos Direitos do Idoso, a de Acessibilidade e também a de Diversidade Sexual.

Jornal Comunicação: Qual é a visão da OAB em relação à igualdade de gênero e orientação sexual no país?

Gorski: Recentemente, as Comissões estaduais de Diversidade Sexual, em parceira com a Comissão Especial da Diversidade Sexual da OAB Nacional, elaboraram o Estatuto da Diversidade Sexual (EDS). Por exemplo, pode-se citar a criminalização da homofobia, o casamento homoafetivo, a licença natalidade (que passa a ser concedida a ambos os cônjuges, ao invés da licença maternidade), entre outros. A OAB-PR, portanto, está acompanhando o tema e colaborando para que sejam diminuídas as diferenças de gênero e o preconceito motivado pela orientação sexual.

Jornal Comunicação: Como a OAB está se posiciona em relação às decisões do STF quanto aos direitos concedidos a parceiros de mesmo gênero?

Gorski: A decisão do Supremo Tribunal Federal foi consequência positiva da interpretação do art. 1.723 do Código Civil (que configura a união estável como sendo na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família) conforme a Constituição Federal. A determinação foi vista pela OAB-PR como uma grande conquista não só deste grupo populacional que, a partir de agora, passa a ser reconhecido pelo Estado, mas, também, dos próprios advogados, que foram os primeiros idealizadores das teses jurídicas que proporcionaram o reconhecimento de uma série de direitos a essas pessoas.
Jornal Comunicação: Em 2011 ano duas cidadãs gaúchas levaram o pedido de união estável e partilha ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu e corroborou a decisão favorável do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. É provável que isso aumente o número de pedidos formais de união estável por parte de casais homossexuais?

Gorski: Diferentemente da decisão do STF, a decisão preferida pelo STJ é válida somente para as partes do processo e não vincula as demais instâncias do Poder Judiciário. Isso significa que os demais juízes não estão obrigados a seguir o posicionamento adotado pela Corte Superior. Por outro lado, a decisão sinaliza o entendimento do STJ a esse respeito e pode, sim, motivar um aumento no número de pedidos de habilitação para o casamento.

Jornal Comunicação: Aprovado no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 122 alterará a Lei nº 7.716/89, passando a caracterizar crime a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Quais seriam a penas para esse tipo de crime?

Gorski: Atualmente existem no Congresso vários projetos de lei que buscam a criminalização da homofobia. O mais conhecido deles é o PLC 122, que foi desarquivado pela Senadora Marta Suplicy no início de 2011 e está em discussão no Senado, motivo pelo qual ainda pode sofrer reformas. O texto original prevê, para quem incidir no crime de homofobia, a pena de 1 a 3 anos de reclusão. No anteprojeto de lei elaborado pela OAB, a pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão. O aumento da pena prevista no EDS foi motivado pela recente reforma promovida neste ano no Código de Processo Penal. A partir de maio, passou-se a admitir fiança para os crimes com pena máxima não superior a 4 anos, ou seja, o acusado pode ter a chance de responder o crime em liberdade. Diante da gravidade do crime de preconceito e homofobia, houve a necessidade de majorar a pena máxima, para que não fosse atingido pela possibilidade de fiança.

Jornal Comunicação: A bancada evangélica se declara contra a lei da homofobia porque incluiria no Código Penal a crítica ao homossexualismo como crime de opinião. Por que se vê necessária essa medida?

Gorski: A população homossexual sofre, diariamente, com a discriminação e a violência. Parte dessa discriminação vem das Igrejas que condenam a prática da homossexualidade e não permitem que esse público frequente seus cultos religiosos. Deve-se ressaltar, contudo, que as manifestações que incitam ódio ou preguem a inferioridade de alguém em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero configuram discriminação e induzem à prática da homofobia, por isso é necessário que todos que praticarem esse tipo de conduta sejam penalizados, independentemente de quem for. A lei é válida para todos.

Jornal Comunicação: O que é feito hoje com relação à discriminação de gênero, identidade de gênero e orientação sexual?

Gorski: Afora campanhas publicitárias de conscientização, em razão da dificuldade de aprovação do projeto que criminaliza a homofobia no Brasil, algumas cidades têm promulgado leis que punem a discriminação em relação à identidade de gênero e à orientação sexual. Isso porque compete somente ao Congresso Nacional legislar sobre a criação de um crime. O que é legalmente permitido, aos Estados e Municípios, é criação de sanções administrativas (aplicável à administração pública) e pecuniárias (pagamento em dinheiro) como forma de educação ao ato discriminatório. Muito embora essas iniciativas sejam um avanço social, ainda assim, faz-se necessária a criminalização desse tipo comportamento para que qualquer cidadão em território nacional seja passível de punição.

Jornal Comunicação: Sobre os transexuais, além das operações de mudança de sexo, existe hoje uma grande procura por pedidos de mudança de nome. Como a OAB reconhece a questão de mudança completa de identidade?

Gorski: A mudança do nome é parte integrante do processo de redesignação do sexo. De nada adianta o transexual realizar a cirurgia, sem que possa mudar também o seu nome. Não autorizar a troca do nome é negar a existência do direito à busca da felicidade, do livre desenvolvimento da personalidade e da identidade sexual, da autodeterminação, da dignidade e da igualdade aos transexuais. A doutrina e jurisprudência mais balizadas têm autorizado a mudança do nome mesmo sem a realização da cirurgia de redesignação do sexo. Isso porque se tem entendido que o sexo biológico é independente do sexo psicológico, sendo este o único e principal na caracterização da identidade de gênero.

*Foto: Portal Terra - Legenda: Toni Reis (presidente da AGLBT) e David Harrad - primeiro matrimônio gay registrado em cartório no Brasil
Reportagem especial : Beatriz Moreira

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